Ao longo de seus oito anos na Casa Branca, Obama pode não ter locupletado as expectativas pela refundação das Relações Internacionais americanas criadas por sua candidatura. Mas é inegável que, diante de um mundo em transformação e com desafios cada vez mais complexos, Obama conseguiu alcançar objetivos importantes e quebrar tabus. O encontro com o presidente cubano, Raul Castro, é o ponto alto da política externa de Barack Obama. As metas de seu governo eram ambiciosas e, em função de muitas circunstâncias, não foram atingidas de maneira plena; não foi possível alcançar um acordo de paz entre israelenses e palestinos, nem realizar a promessa de campanha de fechar Guantánamo; não foi possível estabilizar o Iraque de maneira definitiva, nem alcançar um novo parâmetro nas relações entre EUA e os países árabes – e, mais além, entre o país e os muçulmanos de forma mais ampla; tampouco Washington conseguiu deixar de vez o Afeganistão.
Por outro lado, o presidente termina seu mandato com duas conquistas internacionais relevantes (e igualmente complicadas): o início da reabilitação internacional do Irã a partir do acordo nuclear (que, além do próprio acordo, conseguiu, por ora, impedir uma nova guerra no Oriente Médio – conflito dado como certo, em função da subida de tom das lideranças iranianas e, como resposta, também da cúpula de governo israelense). E, por fim, o início da retomada das relações com Cuba. O que definitivamente não é pouco. O discurso de Obama em Havana tem muito a ver com o início da exposição de sua estratégia internacional lá atrás, quando tentou inaugurar uma nova era nas relações entre EUA e a comunidade islâmica no famoso discurso realizado na Universidade do Cairo, em 2009. Em certo sentido, as posições de Obama permanecem as mesmas; o fortalecimento da sociedade civil e o incentivo ao empreendedorismo – este último, termo fundamental da visão internacional do presidente americano. Não por acaso ele anunciou um acordo entre o Google e as autoridades cubanas de forma a melhorar os serviços de internet na ilha.
Os atentados na Bélgica lembram os desafios importantes que deverão continuar a ser enfrentados pelo próximo ocupante do Salão Oval. Se durante os últimos oito anos assistimos aos movimentos de um presidente empenhado em fortalecer alianças e organismos internacionais (muito mais que seus antecessores, é preciso lembrar), há agora uma dúvida relevante: se Donald Trump vencer as eleições de novembro, como serão as relações entre EUA e o resto do mundo? Não há clareza sobre isso. Mesmo os países aliados dos EUA devem sofrer consequências. Inclusive os europeus, já que o empresário considera, por exemplo, a Otan (a aliança militar ocidental) uma fonte de despesas, ignorando a importância estratégica e o posicionamento global em longo prazo. O secretário de Estado John Kerry, um dos mais empenhados na política externa multilateral do governo Obama, é alvo das principais críticas do candidato republicano.
“A Otan está nos custando uma fortuna. Estamos protegendo a Europa, mas gastando muito dinheiro. Certamente não podemos mais pagar por isso”, disse.
No dia em que a Bélgica sofre dois ataques terroristas este tipo de declaração causa ainda mais dúvidas sobre como os EUA irão atuar no campo internacional no caso de uma eventual vitória de Trump. A aliança entre americanos e europeus transcende questões partidárias nos EUA há mais de 70 anos. E as dúvidas não param por aí, na medida em que o próximo presidente americano poderá lidar também com o enfraquecimento político europeu em função do referendo que pode resultar na saída da Grã-Bretanha da União Europeia (UE). A vitória de Trump pode marcar o início de um ciclo sem precedentes de isolamento político dos EUA. E, quando a maior potência planetária assume esta posição, pode também iniciar um período de isolamento global. Com a UE enfraquecida – e eventualmente até desmembrada –, o multilateralismo promovido pelos oito anos de mandato de Barack Obama pode dar lugar a um novo ciclo de reversão e isolacionismo.