
É irônico que a convulsão social por lá ocorra no ano seguinte à percepção, em maior ou menor grau (cada vez menor neste momento), de que a Escola de Chicago poderia salvar o Brasil. Os protestos nas ruas do Chile mostram exatamente o contrário. O país é um sucesso sob aspecto econômico-institucional. Pelas planilhas, há poucos problemas com a economia chilena.
Mas a desigualdade do mundo real, da vida cotidiana, não termina bem. Ao mesmo tempo em que o PIB per capita é um dos maiores da América Latina, a população está exposta aos baixos salários, ao alto custo de vida, a aposentadorias miseráveis. Parece algum lugar que você conhece? Pois é.
Se os adeptos do modelo de Chicago encontraram no Chile um território livre para experimentações, é chegada a hora também de apresentar os resultados. E eles estão aí para quem quiser ver. A ideia de que este formato será capaz de resolver a complexidade brasileira é ilusória. Mais do que isso, perversa - uma vez que outro país sul-americano já o testou e deu errado.
Em 1981, o general Pinochet privatizou o fornecimento de água. Hoje, a empresa Águas Andinas, subsidiária da Agabar and Suez, tem o monopólio do mercado em Santiago. Quando a água se torna um produto cuja propriedade é objeto de especulação diante dos cidadãos nacionais, qual o limite de atuação do mercado?
O Brasil
Por aqui, os dados de desigualdade são conhecidos. Assim como o sucesso eleitoral recente da lógica de Chicago. De acordo com o Relatório de Riqueza Global produzido pelo Credit Suisse Research Institute, a quantidade de milionários com ativos de mais de 50 milhões de dólares cresceu no Brasil a um ritmo mais rápido do que entre todos os demais países latino-americanos. O diagnóstico que a instituição faz sobre o Brasil poderia ser também o retrato da América Latina:
"Dois fatores fundamentais que contribuem para a alta desigualdade de renda são o desempenho educacional desigual da força de trabalho e a divisão entre os setores formal e informal da economia", diz o relatório. Ou seja, dois dos caminhos pelos quais o Brasil segue a galope; a inexistência de oportunidade educacional - e seu desestímulo em todos os graus - e o aumento da informalidade.
Os protestos no Chile e em muitas partes do mundo apresentam alguns dos principais dilemas contemporâneos. Essas manifestações expõem - mesmo que indiretamente - as perguntas que a humanidade precisa responder rapidamente.
A ideia de governos, países e sociedade é alcançar metas para cumprir determinações criadas em fóruns econômicos e outras instituições ou as pessoas se organizaram em sociedade, países e governos para encontrar uma maneira de produzir riqueza e buscar felicidade? É possível manter a estabilidade em sociedades onde a maior parte da população precisa pagar custos altíssimos para viver, mas, ao mesmo tempo, a economia é matematicamente bem-sucedida e segue em crescimento, como no caso chileno?
Os muitos movimentos em todo o mundo retornam com alguns dos questionamentos já abordados pela onda de manifestações que ficou conhecida como Occupy ocorrida entre 2011 e 2012. As razões que levaram a esses protestos ainda não foram realmente respondidas. Agora voltam com outro nome, em outros países e com demandas locais. Talvez não possam ser conectados formalmente, mas está claro que a agenda de oito anos atrás continua a valer.